Fatos e Versos

sábado, 29 de janeiro de 2011

Ela esperava uma mensagem redentora vir à cabeça para dar continuidade à fala, mas tudo que ouviu foi o brado do silêncio orientando para que calasse.

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Amor renegado

Animado com os primeiros quinhões da rodada, Gil se deixou levar pelo entusiasmo. Arriscou as poucas fichas que tinha no lance que, para ele seria a redenção de todos os pecados cometidos na vida. Seu grande erro foi ter esquecido de ligar a mente no alerta máximo dos sentidos, antes de entrar de cabeça no arriscado jogo da paixão. Como era imperioso recuperar as cartas perdidas do baralho estampado no lado esquerdo do peito, perseguia alucinado o sonho de ganhar a iluminada dama de ouros, que para seu azar não era boba nem nada de se render a um simples valete de espada.

Homem de fé vacilante, a cada amanhecer rogava por um milagre, deixando o coração náufrago entregue à sorte de um possível resgate do sonho incompleto. Sufocado pelo desejo do amor arredio a seus insistentes apelos de parceria, nadava dando tortas braçadas tentando retomar a rota que o levaria ao imaginário porto seguro. Como quem pensa ser um exímio manobrista, mas de fato não é, perambulou pelos cassinos da ilusão dourada, enlouquecido com o eco das seguidas recusas de socorro.

Sem acertar o trunfo rumo ao sucesso almejado, apostou inúmeras vezes na habilidade nata da trapaça, lançando repetidamente as minguadas fichas que restavam nesse amor renegado. Selecionou antigos naipes arquivados na memória defasada pelo tempo perdido. Tentou de maneira frenética ganhar a última dança da dona da banca do carteado, que, com olhos voltados para as alturas vivia noutra era, dividida entre o brilho do sol nascente e a penumbra da noite alta.

Ao fim de cada dia Gil derramava-se em lágrimas disfarçadas em sorrisos de alegria. Vagou insone de bar em bar, por longo tempo trilhando os mesmos caminhos sem volta. Naufragou na bebida que não saciava sua sede infinita. Ficou preso aos arredores onde morava a esperança vestida de vermelho que, indiferente a suas tolas manobras, passou a correr dele como o diabo foge da cruz. Como era imaturo em compor sentimentos, verdadeiros, continuou rodopiando entre antigas e novas canções, e se perdeu nas letras do amor fracassado. Ninguém mais dançou com ele uma música inteira.

Duelo de uma paixão

Ela se dizia a tal, ele o supra sumo. Afinavam-se além das fraquezas morais que não passavam desapercebidas. Ela vendia a imagem de mulher valorosa, objeto de cobiça de homens poderosos. Neste jogo de atração e posse, ele camuflava a baixa estima sob a aura da fama de sedutor bem sucedido. Eram ególatras talhados do mesmo barro, escondendo um do outro as reais intenções que rondavam suas mentes imaturas, duelando entre si e se apaziguando sob os lençóis...
No princípio ela queria cama e a varanda (dele). Ele de cara quis todos os móveis e cômodos da casa (dela). Ele anunciava sua paixão aos quatro ventos para ela sentir-se a vencedora do páreo. Ela queria as rédeas nas mãos para mantê-lo a seus pés. Ele pagava com gosto o preço de ser fantoche para ter lugar de destaque na garupa dela. Ela era uma guerreira destemida de olhos vidrados no agora. Ele um militante sem patente marchando na via incerta do amanhã.
Ambos atiçavam a inveja nos supostos inimigos, como se a libido precisasse de uma dose de extravagância para se inflamar. Não, eles não eram dois jovens inconseqüentes querendo se afirmar mediante os prazeres da vida... Eram dois estranhos de si mesmos, com meio século de vida rodados, pisando desequilibrada-mente no campo minado das paixões telúricas.

Dando a largada

sábado, 29 de janeiro de 2011

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